Alagados de lágrimas, erguidos em esperança
29/04/2025 às 14h58

Cathierine Hoffmann - Jornalista
Jornalista, formada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Comunicadora multimídia, assessora de imprensa e editora reponsável do Expressão Regional

Eu estava em casa, na frente do computador, por volta das 21h, quando recebi uma ligação do prefeito na época. Me pedia para vir às pressas até a Linha Cangerana, pois acabara de acontecer uma tragédia. Há horas chovia naquele 30 de abril, e as previsões pela Defesa civil não eram animadoras. Muita água do céu. Assustadoramente acima da média.
Quando cheguei ao local, uma trégua na chuva. Muitas pessoas de pé, atrás de uma fita zebrada, impedindo o acesso para que os bombeiros e Brigada Militar trabalhassem. Há poucos minutos um deslizamento de terra atingira três casas, pessoas estavam soterradas. Nunca havia acontecido algo semelhante na cidade.
Todos estavam em silêncio. Quando alguém falava, era balbuciando. Para ouvir as pessoas soterradas, direcionar o socorro. Pouco tempo depois um idoso é resgatado e levado às pressas ao hospital. Estava praticamente ileso. Mais tarde, um jovem também é resgatado. No entanto, haviam duas pessoas que não conseguiam encontrar. E por segurança, as buscas voltariam só pela manhã. Foram as primeiras vítimas fatais do Rio Grande do Sul das chuvas de maio.
Eu lembro da RBS entrando em contato. Fariam uma introdução ao vivo de Salvador do Sul devido às mortes na cidade pós-deslizamento. A equipe da televisão não conseguiu chegar. Em Montenegro se depararam com o caos de uma cidade alagada nas estradas, no centro, por toda parte. O Rio Grande do Sul afundou. De 497 municípios, poucos saíram ilesos da destruição após as chuvas de maio. Ora alagadas, ora isoladas por deslizamentos. Mas afetadas drasticamente.
Lembro de uma sensação que só havia experimentado na época da pandemia. Aquele clima nebuloso, triste, sensação de estar no meio de uma guerra. Havia pouca felicidade no ar. Muito lamento. Muita morte. Muita frustração. Uma tristeza que invadia as casas de todo mundo, atingidos ou não pela triste devastação climática. E estávamos de olhos alagados, lágrimas brotando todos os dias. Pela situação de mulheres, homens, crianças, idosos, até mesmo os animais.
Mas ao mesmo tempo que fomos invadidos pela tristeza, fomos tomados pela solidariedade. O Brasil mostrou o que tem de melhor, e se uniu para ajudar o Rio Grande. Se tinha dois lençóis, um era destinado aos atingidos pelas enchentes. Mutirões de limpeza. União por uma terra devastada. E tudo começava a se reerguer.
Um ano após as enchentes, é difícil ainda não se emocionar com aquela terra arrasada. Com a lembrança dos que se foram. Com a luta para limpar as ruas, as casas e tirar a tristeza do coração. A resiliência do gaúcho, habituado ao clima hostil do inverno rigoroso, precisou ser ainda mais forte para enfrentar a força da natureza, que cansou de nos avisar que estava sendo assolada. Se melhoramos pós-enchente? Realmente não sei. Mas poucas as vezes temos a oportunidade de rever o que realmente importa. E maio de 2024 foi um desses momentos catalisadores da mudança urgente.